GONÇALIDADES
Eu
hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem
posso tolerar as vozes mais banais.
Incrível!
Já rasguei ao todo três jornais
Enfurecidamente.
Dói-me
a cabeça. Arranco dela alguns cabelos:
Que
bem se diz do mau professor de ginástica!
Aclamam-lhe
os enredos e a dicção fantástica.
Quanto
a enganos, nem vê-los!
Sentei-me
à secretária… Ali defronte engoma
A
camisa ao marido, não deixando um vinco,
Uma
esposa esmerada já com netos cinco.
Ingénua
aposentada engomando a preceito!
Tão
cândida! O marido engana-a. E ela dança.
Não
tem inclinação para a desconfiança…
Nem
para cauta o jeito.
Serão
senhoras tontas assim, certamente,
E
outra gente que tal, bem fácil de enganar,
os
úberes de mãe por que engorda a chuchar
Quem
quer que escrever tente.
Que
mau humor, o meu! Tivesse eu obra-prima
Pronta
a ir para o prelo! O que ouviria então?
“Gratos
pelos papéis! São bons… para carvão!”
Mal
empregue Hiroshima!
Que
luto humanitário lhes dispensaria,
Se
desaparecessem? Desfilam em corso
Toda
a defunta vida. Não valem o esforço
Da
mínima honraria.
O
Gonçalo não gosta de advérbios de modo.
O
que é que há, pois então, no Eça que lhe agrade?
O
bigode? O monóculo? O chiste? Quem sabe?
Bravata
de rapsodo…
Não
os utiliza e diz-se despretensioso.
Mas
foi imitando o bardo zarolho e lusíada
Que
alinhou as oitavas e pariu uma Ilíada
Brinda
à sua saúde em soberbos jantares
Quem
o publica e ávido o publicará.
Arte?
Não convém muito. Os leitores de cá
Deliram
por Tavares.
Ei-lo,
pois, celebrado, o loquaz Gonçalo M….
Maravilha
fatal da nossa inane idade!
E
por mim, que acho lúbrica a celebridade,
Alguém
delira ou geme?
Mil
páginas de entulho por ano amontoa.
E
toda a gente as lê com gosto, mesmo assim.
Eu
esculpo alexandrinos e acham-me arlequim.
Isto
enerva a pessoa!
E
a senhora defronte? Grande hematoma, hein?!
Vejo-lho
bem agora: há no braço notada
A
marca da fivela com que foi sovada
Pelo
filho da mãe…
Não
faz mal! O que importa é que a camisa esteja
Sem
um vinco, lisinha, como o esposo gosta.
Que
tem o braço não estando a mesa posta?
Vive
p’ra que outro seja.
E
é feliz. Ama-o tanto que tolera a dor.
Podia
ser vizinha, já que não reclama,
Dos
patuscos senhores por que ganha a fama
O
Gonçalo escritor.
Imploram-lhe
que opine… Disparam-lhe o flash…
Dão-lhe
prémios… Traduzem-no para chinês…
Tem
na cabeça os louros, às duas por três.
Não
falta quem o engraxe…
A
baba que lhe deixam nas botas é que é
A
água que de Hipocrene dulcíssima brota!
E
a vizinha? Que engome! Valha a fatiota!
Só
mesmo ao pontapé!...
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