31/07/2014

Ipsis Verbis (8)


O assassínio por sentença é incomensuravelmente mais terrível do que o assassínio cometido por um bandido. Aquele a quem os bandidos matam, a quem esfaqueiam à noite, na floresta ou noutro lugar qualquer, de certeza que tem a esperança, até ao último instante, de se salvar. Houve mesmo casos em que, já com o pescoço golpeado, ainda tinha esperança, ou corria, ou implorava. Mas ali privam o homem dessa última esperança, com que é dez vezes mais fácil morrer, cortam-na definitivamente; é a sentença, e todo o horrível tormento consiste em que é de certeza inevitável, e não existe nada pior do que tal tormento. Pegue num soldado e vá pô-lo em frente do canhão no campo de batalha e dispare contra ele: o soldado terá esperança até ao último instante; mas leia a esse mesmo soldado uma sentença definitiva, e ele enlouquece ou chora.

Fiódor Dostoiévski, O Idiota
 

26/07/2014

Res Scriptae - O Condenado Bem-disposto



A caminho do cadafalso para ser enforcado, numa segunda-feira, o condenado observa: “Bem, é uma boa maneira de começar a semana!”

                          tirado de: Sigmund Freud, “Humour”

18/07/2014

Sine Qua Non (7)


Livra-te de vender a alma ao diabo. A não ser que ta peça muito e te prometa em troca um bocado de pão com marmelada.

07/07/2014

Qui Sumus (4)


Carlos da Gentileza Mendes é, dos cinco, o único fumador. Pode parecer irrelevante que o seja, mas não é. Fumar é uma forma de estar sozinho consigo mesmo, mas estando distraído de si. É uma actividade, portanto, mais ou menos análoga à actividade de imaginar, salvo a subtil mas importantíssima diferença de não se estar atento à solidão. Quem fuma deposita parte do pensamento nas baforadas com que se sacia e nos rodopios que o fumo faz pelo ar; pode até esforçar-se por pensar muito profundamente na pessoa que é, mas todos os pensamentos são regulados pela actividade externa de engolir e expelir fumo durante uns minutos. Quem imagina, por outro lado, tem como única distracção aquilo que encontra dentro da caverna para onde orienta o pensamento; nada há de externo que o desvie do seu abismo interior.