Conheci
o Álvaro da Horta, leitor curiosíssimo, numa festa cujas incidências mereciam
sem dúvida um livro dado à estampa. Acontecia que, esperando por dar ganso ou lampreia
à barriga, dei por mim entediado a escutar o professor Benguela Fazendeiro.
Entre a linguística dura que o homem arrotava e um ou outro arroto por conter,
de que de imediato, mostrando maneiras, se desculpava, não imagina quem me leia
o interesse com que lhe seguia as frases a dezena de pasmados que ali tinha
sido trazida não pelo cheiro a couves da eructação mas pela mercê inesperada de
privar com o intelectual. Como estava ali menos pela prelecção e mais pelos
rissóis que não chegavam, dei paciência ao apetite e fui ouvir o silêncio do
outro lado da sala. Contou-me o Álvaro mais tarde que, no preciso instante em
que eu me aproximava, bocejando, do pequeno grupo para o qual ele fora
arrastado só pela cortesia de ali estar, alguém dizia, julgando citar o Antero,
que depois da morte há escuridão e silêncio – e nada mais. Espreitando pela
fechadura das memórias que guardo dessa noite, não me recordo – juro pelo Cão –
que se tenha realmente debatido tão grave assunto. O Álvaro, como é seu hábito,
não se metia em nada que não fosse matéria de letras, mas garante que dois
fariseus, se não mesmo três, por pouco não andavam à pancada para ver quem
tinha razão a respeito da metafísica. Verdade ou não, não posso negar que as
primeiras palavras que ouvi o Álvaro dizer, em jeito de chalaça e
despertando-me de dentro de mim, foram as seguintes: “vina dabant animos”.