Quem quer que
abra, por vontade própria ou decreto providencial, um livro de Gonçalo M.
Tavares, dá com a vista naquilo a que, literariamente falando, se chama uma
surpresa. Sossegue quem tiver aprendido a pensar, pois ainda não disse se é boa
ou má a surpresa com que dá quem assim opera. Nem o poderia talvez dizer, pois
que, de um certo ponto de vista, pode ser bem surpreendido aquele que der com o
espanto em má surpresa. Ora, quem quer que abra, pondo o intuito em ler, um dos
livros por que Gonçalo M. Tavares foi surpreendendo o exigentíssimo público
pátrio, Matteo perdeu o Emprego, tem
forçosamente de abri-lo, como abriria qualquer outro livro, na primeira página.
Se tiver a gentileza de fazê-lo, pode não reparar em muita coisa, mas decerto
repara nas letras que lá se timbraram. Pode, por isso, não depositar suspeitas
na hipótese de o escritor, desconhecendo as ínclitas leis da profissão de escrever
livrinhos, não saber que um parágrafo pode conter mais do que um período, como
o faz quem sabe o que há a ser feito, mas é com certeza capaz de ler, porque está
lá para ser lido por quem tiver olhos e educação primária, o seguinte
parágrafo:
Todas as manhãs, um homem era visto, entre as sete e
as sete e meia, a contornar a rotunda principal da cidade, rotunda onde
desembocava sessenta por cento do tráfego. Às sete da manhã o fumo dos
automóveis era maior que ao fim da tarde, porém, mesmo assim, havia fumo, metal
e ainda a velocidade de alguns automóveis. E ali, no meio, correndo risco de
vida, um homem. Aaronson.