Marcus Licinius
Crassus compôs com Júlio César e com Pompeu aquele que viria a ficar conhecido
como o primeiro Triunvirato. Teria sido essa a única razão para que ficasse o
seu nome inscrito nas lajes da posteridade, não fosse a ambição escusada de
querer outra fama que não a de político razoável. Querendo mais do que lhe
cabia, acabou por se eternizar pelo que não queria, ou seja, como exemplo
máximo de que é possível ficar na História por ser estúpido. Desde que
deliberou merecer maior fama do que qualquer outro militar romano, assim que
lhe foi atribuída a província da Síria, em 55 a.C., e decidiu iniciar uma
campanha militar contra os Partos, até ao dia em que perdeu a vida e a fez
perder a, pelo menos, 30 mil romanos, foram muitos os equívocos de Crassus e
muitas as evidências de que a mais copiosa das fortunas de pouco ou nada serve
em feira em que se negoceie a glória.
Antes ainda de
chegar à Mesopotâmia, onde o esperava a sorte que merecem aqueles a quem falta
o bom senso, já Crassus, não querendo aguardar em Brundisium (actual Brindisi)
que um Júpiter tonitruante e um Neptuno alvoroçado parassem de discutir e se
acalmassem, perdera vários barcos na tempestade. À impaciência juntou logo
depois a gabarolice das primeiras vitórias, banais como quaisquer primeiras
vitórias, e o seu primeiro grande erro estratégico, segundo Plutarco, o de ter
interrompido a marcha para fortificar as praças conquistadas e para esperar
pelo seu filho, que vinha da Gália para lhe reforçar os números, o que deu
tempo aos Partos para se prepararem convenientemente. De seguida, negligenciou
os maus presságios, fez ouvidos de mercador aos conselhos de alguns dos seus
oficiais, que lhe pediam que tivesse pelo menos a prudência de esperar por
informações sobre o inimigo, e rejeitou a aliança proposta por Artabazes, rei
da Arménia, que lhe dava tropas em troca de um ataque feito pela Arménia,
preferindo continuar pela Mesopotâmia. A confiança de Crassus era de tal modo
desmedida que, além de não escutar romanos e aliados, deu em acreditar num
árabe de reputação duvidosa, Ariamnes, que, a pedido dos partos, o convenceu a
deixar as margens do Eufrates e as colinas. Ingenuamente, encaminhou então o
exército pelo deserto, apesar de saber que o inimigo tinha por força principal
a sua cavalaria e que, por isso, era recomendável que não se afastassem de
terrenos acidentados.
Como se a
jactância, de que a imprudência e a ingenuidade são filhas, não bastasse, deu
ainda em ser cobarde, pois assim que se soube que o inimigo se aproximava
entrou em pânico. O medo conduz geralmente, tanto quanto a total ausência dele,
a decisões pouco felizes, e foi decerto por medo que dispôs todas as suas
tropas defensivamente, num quadrado, recusando o conselho de Cassius (o mesmo
Gaius Cassius Longinus que, mais tarde, conspiraria contra a vida de Júlio
César), que lhe dissera que devia estender o exército o mais possível, distribuindo
a cavalaria pelos flancos, de maneira a evitar que o inimigo os cercasse.
Perante esta disposição táctica, agiram os Partos como se pedia que agissem:
cercando-os e disparando flechas indiscriminadamente. Ainda que as flechas
inimigas fossem fazendo bastantes feridos, a estratégia de Crassus passava
agora por aguardar que se esgotassem as munições, o que obrigaria a outro tipo
de confrontação. Mais uma vez, a decisão não foi a mais acertada, pois
continuavam a chegar camelos com flechas. Apercebendo-se do erro, reagiu
Crassus em desespero mandando avançar o filho, inicialmente num dos vértices do
quadrado. Com 1300 cavalos, 500 arqueiros e cerca de 4000 mil unidades de
infantaria, o filho de Crassus perseguiu um grupo de partos que se juntou a um
maior, caindo assim numa emboscada e perdendo a vida.
Quando a noite
chegou, os romanos continuavam cercados, incapazes de desfazer a disposição
defensiva inicial, e os Partos recuaram e acamparam por perto. À fanfarronice e
ao medo sucedeu-se a apatia, e foram os oficiais de Crassus que tiveram de
tomar a decisão de abandonar o campo de batalha, deixando para trás os feridos.
Surena, o general parto, não se contentava, porém, com a estrondosa vitória;
queria a cabeça de Crassus. E a cabeça dele teria, bastando para tanto que
lançasse a Crassus o engodo fatal de uma oferta de paz que inimigo algum, não
podendo já ser derrotado, assim de mão beijada concederia. A espectacular
derrota do exército de Crassus e a sua própria vida seriam preço suficiente a
pagar pelos erros tácticos da fatídica batalha de Carras, acaso não lhe
guardasse uma última armadilha o misterioso processo pelo qual os nomes se
imortalizam: para sempre Crassus ficou ligado à estupidez do que fez, pois
recorda as incidências da campanha militar contra os Partos, talvez sem o
saber, quem quer que vulgarmente se disponha a usar a expressão "erro
crasso". É, pois, um "erro crasso" todo o erro clamoroso, como
clamorosos foram os erros que Crassus cometeu, fosse por ter confiado em
demasia na superioridade numérica das suas tropas e no seu valor militar, fosse
por ter subestimado
um inimigo bem preparado, fosse por ter ignorado conselhos de oficiais experimentados,
acatando-os, porém, de desconhecidos que lhe diziam o que queria ouvir, fosse
por não ter respeitado
alguns dos procedimentos militares mais básicos, fosse por ter sido
incapaz de corrigir erros iniciais, de se adaptar a circunstâncias inesperadas
ou de raciocinar sob pressão, fosse, em suma, por tudo aquilo que contribuiu
para que assim estupidamente capitulasse.
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