Contou-me há dias um primo que não prezo,
mas que me escreve todos os anos, tão-só pelo hábito de fazê-lo, a desejar um
feliz aniversário e que conte muitos mais – coisas que as pessoas aprendem a
dizer pela vizinhança de umas com as outras – que sofrera naquela semana, por
uma coisa que lhe acontecera num transporte público, um abalo muito grande. O
episódio, a que deu andrajos de desgraça, causou em mim, no entanto, um abalo
de tipo bastante diferente. Se lhe respondesse à carta em que mo contou, coisa que
não farei por estimar mais os meus papéis do que a tagarelice com os outros,
dir-lhe-ia que a história que me relatou não suscitou em mim o terror e a
piedade a que o seu espírito foi levado, ao assistir ao que se passou, mas a
gargalhada mais despudorada a que pode alguém dar garganta. Como é possível –
perguntará o leitor perplexo – que um mesmo acontecimento produza tão
dissemelhantes reacções? Como é possível que uma pessoa calce os coturnos a uma
história que, segundo a opinião de outra pessoa, só tem pés para calçar socos?