Julião
Maltratado foi, segundo afirma quem dele sabe mais do que uma ou duas coisas,
professor de tempos livres. Foi no exercício dessa ocupação, mais ensinando a
si do que àqueles a quem ensinava, que começou a desenvolver o apetite por duas
das suas diversões favoritas: ser incoerente e não ter vergonha. O despudor, de
resto, é vocação com a qual, tudo indica, já terá nascido, o que lhe valeu,
logo na altura de frequentar as aulas de filosofia no liceu, a generosa
comparação com Diógenes, o Cínico. Embora nunca tenha tido por quarto a cúpula
avinagrada de um barril e não se conheça imperador que por ele se tenha deixado
impressionar, é justa a comparação – abismado leitor – nem que seja por lhe ser
muitíssimo querida a amizade com canídeos. Do folclore a que se presta o seu
comportamento público é escusado falar, pois a alcunha não poderia ser, a esse
respeito, mais certeira. Por tudo isto, seria compreensível que se
conjecturasse acerca da educação que lhe deram os pais, se a deram, e acerca de
como em pequeno o importunavam os amiguinhos mais espertalhões. Garante,
contudo, quem o conheceu na mocidade que o apelido é mais coincidência do que
antonomásia.